sábado, 21 de novembro de 2015

O Enigma de Kaspar Hauser e o Enigma de Herzog


O Enigma de Kaspar Hauser de Werner Herzog é um daqueles filmes que planta em nossas cabeças algumas sementes de reflexão.
Dirigido em 1974 o filme conta a história real de uma misteriosa criança de nome Kaspar Hauser que foi abandonada numa praça em Nuremberg. Essa criança teria vivido toda sua vida em uma masmorra, sem contato humano, sendo alimentada apenas com pão e água e, supõe-se, que ela teria ligações com a família real de Baden.
Essa história pode ser analisada sobre um clássico paradigma sociológico de aculturação.
Geralmente ela é usada como exemplo para que possamos refletir sobre o que sobra de nós se formos despidos de toda nossa linguagem, cultura e contato humano.
Werner Herzog no filme conta essa história mostrando como os símbolos de nossa civilização são frágeis perante alguém que não foi educado para aceitá-los.
Mas o que sesse filme tem a nos ensinar além disso?
Quando vemos Kaspar Hauser, em sua ingenuidade, colocar a lógica, a religião, a filosofia e a ciência como um objeto de análise crítica e reflexão percebemos que o enigma não é apenas Kaspar Hauser mas também a nossa própria estrutura civilizacional.
Afinal, o que nossa religião, nossa ciência e nossa lógica tem a dizer sobre Kaspar Hauser e o que Kaspar Hauser tem a dizer sobre nossa religião, nossa ciência e nossa lógica?
Durante esse processo de descoberta, dos dois lados, Werner Herzog dá mordiscadas naquele mito filosófico do "bom selvagem" de Rousseau e vai enfatizar o contraste entre o primitivo "puro" e o civilizado "corrompido". De um lado temos a singelidade de Kaspar decifrando o enigma da sociedade. Do outro, temos uma sociedade que, em toda sua brutalidade científica, precisa dilacerar e dissecar o corpo de Kaspar Hauser morto para decifrá-lo.
Essa visão "rousseauniana" de Herzog pode ser muito bem explicada numa circunstância pós-Segunda Guerra.
A propaganda nazista que se dizia maior representante da civilização serviu, no final das contas, como uma anti-propaganda da civilização, especialmente no meio artístico.
Werner Herzog é fruto disso.
Podemos tentar decifrar o "enigma de Herzog" meditando sobre o "enigma de Kaspar Hauser" e, quem sabe, podemos descortinar um pouco mais o "enigma de nós mesmos".
Assistam e deixem a semente da reflexão ser plantada livremente em sua cabeça.

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